segunda-feira, 2 de abril de 2012

NA CASA DE BETÂNIA UMA DISCÍPULA FIEL

Na casa de Betânia uma discípula fiel - Mesters e Lopes

NA CASA DE BETÂNIA UMA DISCÍPULA FIEL
Mc 14,1-15
  
Extraído livro Caminhando com Jesus - Círculos Bíblicos de Marcos - II Parte, de Carlos Mesters e Mercedes Lopes. Mais informações: vendas@cebi.org.br
SITUANDO
Os capítulos 14, 15 e 16 narram a paixão, morte e ressurreição de Jesus. Ao longo destes três capítulos, "crescem a ruptura e a morte e aparece a vitória sobre a morte". A vitória sobre a morte aparece não só no fim, na ressurreição, mas já está presente, desde o começo, na própria maneira de descrever a paixão e a morte de Jesus. Ela transparece, por exemplo, na calma com que Jesus enfrenta a morte e na maneira como ele encara e interpreta os acontecimentos da sua paixão. A vitória vai crescendo, até manifestar-se plenamente na ressurreição. Jesus não é um derrotado. Derrotados, sim, são os que o matam. A vitória da vida transfigura a morte de Jesus.
Sofrimento, paixão e morte eram o pão de cada dia das comunidades cristãs nos anos 70. Na maneira de descrever o sofrimento, a paixão e a morte de Jesus, Marcos as ajuda a experimentar, desde já, no meio do sofrimento, algo da vitória da vida sobre a morte.

COMENTANDO  
Marcos 14,1-2: O pano de fundo - a conspiração contra Jesus
No fim da sua atividade missionária, chegando em Jerusalém, Jesus é aguardado e vigiado pelos que detêm o poder: sacerdotes, anciãos, escribas, fariseus, herodianos, saduceus e romanos. Eles têm o controle da situação. Não vão permitir que Jesus, um carpinteiro agricultor lá do interior da Galiléia, provoque desordem na capital. A morte de Jesus já estava decidida por eles (Mc 11,18; 12,12). Jesus era um homem condenado. Agora vai realizar-se o que ele mesmo tinha anunciado aos discípulos: "O Filho do Homem vai ser entregue e morto" (Mc 8,31; 9,31; 10,33).
Marcos 14,3-5: A unção de Jesus por uma discípula e a críticas dos discípulos
Uma mulher, cujo nome não é mencionado, unge Jesus com um perfume caríssimo. Num gesto de total gratuidade, ela quebra o frasco. Os discípulos criticam o gesto. Acham que é um desperdício. De fato, 300 denários eram o salário mínimo de 300 dias! O salário de quase um ano inteiro foi gasto de uma só vez.
Marcos 14,6: A resposta de Jesus "Uma boa ação para mim!"
Os discípulos olham o gasto e criticam a mulher. Jesus olha o gesto e defende a mulher: Por que vocês aborrecem esta mulher? Ela praticou uma ação boa para comigo. Ela se antecipou a ungir meu corpo para o enterro. Naquele tempo, uma pessoa condenada à morte de cruz não recebia sepultura e não podia ser ungida, pois ficava pendurada na cruz até que os bichos comessem o cadáver, ou recebia sepultura rasa de indigente. Jesus ia ser condenado à morte de Cruz, consequência do seu compromisso com os pobres e da sua fidelidade ao projeto do Pai. Não ia ter enterro. Por isso, depois de morto, não poderia ser ungido. Sabendo isso, a mulher se antecipa e o unge antes de ser crucificado. Com este gesto, ela mostra que aceita Jesus como Messias, mesmo crucificado! Jesus entende o gesto dela a o aprova. Anteriormente, Pedro teve a reação contrária. Para ele, um crucificado não podia ser o Messias. Por isso, tentou dissuadir Jesus, mas recebeu uma resposta duríssima: "Vai embora, Satanás!" (Mc 8,32).
Marcos 14,7: "Pobres sempre tereis!"
Jesus disse: "Vocês vão ter sempre pobres com vocês. E se quiserem podem fazer o bem a eles". Será que Jesus quis dizer que não devemos preocupar-nos com os pobres, visto que sempre vai haver pobre? Será que a pobreza é um destino imposto por Deus? Como entender esta frase? Naquele tempo, as pessoas conheciam o Antigo Testamento de cor e salteado. Bastava Jesus citar o começa de uma frase do AT e o pessoal já sabia o resto. O começo da frase dizia: "Você vão ter sempre pobres com vocês" (Dt 15,11a). O resto da frase que o pessoal já conhecia e que Jesus quis lembrar dizia: "Por isso, eu ordeno: abra a mão em favor do seu irmão, do seu pobre e do seu indigente, na terra onde você estiver!" (Dt 15,11b). Conforme esta lei, a comunidade devia acolher os pobres e partilhar com eles seus próprios bens. Mas os discípulos, em vez de "abrir a mão em favor do pobre e de partilhar com ele seus próprios bens, queriam fazer caridade com o dinheiro da moça. Queriam vender o perfume dela por 300 denários e usar esse dinheiro para ajudar os pobres. Jesus cita a Lei de Deus que ensinava o contrário. Quem faz campanha com dinheiro da venda do supérfluo não incomoda e não será condenado. Mas aquele que, como Jesus, insiste na obrigação de acolher os pobres e de partilhar com eles seus próprios bens, este incomoda e corre o risco de ser condenado.
Marcos 14,8-9: Em memória dela
Esta discípula anônima é modelo para Pedro e para os outros discípulos que não tinham entendido nada. Ela é modelo para todos nós, "em todo o mundo". Mais tarde, graças à intervenção de José de Arimatéia, Jesus teve o seu enterro.
Marcos 14,10-11: Judas decide trair Jesus
Em contraste total com a mulher que ungiu Jesus, Judas, um dos doze, resolve trair Jesus. Conspira com os inimigos, que lhe prometem dinheiro. Ele continua convivendo, mas apenas com o objetivo de encontrar uma oportunidade para executar o seu projeto de morte.
Marcos 14,12-15: Preparação da Ceia Pascal
Jesus sabe que vai ser traído. Mesmo assim, faz questão de confraternizar com os discípulos nesta Última Ceia. Ele deve ter gastado bastante dinheiro para poder alugar "aquela sala ampla, no andar superior, arrumada com almofadas" (Mc 14,15). Por ser noite de Páscoa, a cidade estava superlotada de romeiros. Era difícil encontrar uma sala para se reunir.
A Ceia Pascal era uma celebração familiar, presidida pelo pai, um leigo, e não pelo sacerdote. Por isso, Jesus, um leigo, manda dois discípulos preparar a sala para a Páscoa. Em seguida, ele preside a celebração junto com os discípulos e as discípulas, sua nova "família" (cf. Mc 3,33-35).

ALARGANDO
  
Em memória dela  
Em Mc 14,3-9 e Mt 26,6-13 encontramos o relato de uma mulher anônima que ungiu Jesus, preparando-o para a sepultura. O mesmo episódio da unção de Jesus com perfume encontra-se também em Jo 12,1-8. No texto de João, a moça do perfume tem nome. Ela é Maria de Betânia, a irmã de Marta e Lázaro, que durante um banquete, com um gesto profético, ungiu Jesus para o sepultamento (Jo 12,1-8). Ela é a discípula que gostava de ficar sentada aos pés de Jesus, escutando sua palavra (Lc 10,39). Discípula amada (Jo 11,5), que consegue encher a casa (comunidade) com o perfume que fica empapado em seus cabelos soltos e em suas mãos (Jo 12,3). Seu gesto amoroso será repetido por Jesus na celebração da Ceia (Jo 13,2-5). Ele expressa um traço importante da identificação dos discípulos e discípulas de Jesus, que é o serviço amoroso.
Estes três textos de Marcos 14,3-9, Mateus 26,6-13 e João 12,1-8 colocam o episódio da unção com perfume no contexto da Páscoa, quando Jesus já estava, por assim dizer, condenado à morte. "Então, a partir desse dia, resolveram matá-lo. Jesus, por isso, não andava mais em público, entre os judeus" (Jo 11,53-54). Procurado pela polícia, Jesus vivia clandestinamente com sues discípulos, na região próxima ao deserto (Jo 11,54). Foi nesta situação de incerteza e tensão que Marta, Maria e Lázaro convidaram Jesus para um banquete em sua casa de Betânia, seis dias antes da Páscoa. Com o banquete, buscam solidarizar-se com Jesus, assumindo com ele as consequências da sua missão.
O evangelho de Lucas 7,36-50 apresenta também uma mulher anônima, identificada como "uma mulher da cidade, uma pescadora" (Lc 7,37). Ela banha os pés de Jesus com suas lágrimas, enxuga-os com seus cabelos, beija-os e unge com perfume. Este texto não está no contexto da Páscoa, mas se encontra inserido dentro do ministério público de Jesus, quando ainda caminhava com seus discípulos e discípulas pela Galiléia. No centro do episódio narrado por Lucas não está a unção de Jesus para a sepultura, mas o rito de acolhida tão importante para as pessoas que percorriam longas distâncias a pé, pelas estradas poeirentas da Palestina.
No entanto, todos os textos têm algo em comum: a mulher é criticada pelo seu gesto e Jesus a defende diante de todos. No texto que acabamos de citar (Lc 7,36-50), a crítica vem de um fariseu de nome Simão. Seu olhar está acostumado com o julgamento e o controle. Ela nem conseguia fazer o gesto tão comum de acolhida carinhosa que sua cultura pede. Também não era capaz de perceber a Boa Nova de Deus, escondida no gesto da mulher.
Em Lucas 7,36-50, a defesa de Jesus mostra onde e como se manifesta o Dom de Deus. Não são os pecados da mulher que contam. O que vale mesmo é o amor, vivido nos pequenos gestos de gratuidade. "Porque muito amou, tem a minha paz!"
Em Mc 14,3-9; Mt 26,6-13 e Jo 12,1-8, a crítica vem de Judas e dos discípulos, que não aceitam o esbanjamento, o desperdício da moça na sua manifestação de amor a Jesus. Incomodados com o seu gesto, apelam para as necessidades dos pobres. Como vimos, Jesus não retira a importância da partilha com os pobres, mas esclarece que ela entendeu e acolheu a Boa Nova de Deus, expressando isso com o seu gesto. Por isso, "onde quer que venha a ser proclamado o Evangelho, em todo o mundo, se fará também memória dela" (Mc 14,9).

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